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domingo, 6 de janeiro de 2019

Poema: No último dia


No último dia em que se deixou escapar pelas mãos
Se fez matriarca de sua sina
Como se desde menina,
Soubesse que a teria.
Botou no mundo e acalentou

No último dia em que te deram a mão
Ela soltou. Foi esquiva e só.
Não que não quisesse companhia
Mas de assombração já herdará
Sua sombra, seus passos

Já bastava ser mais de uma
Quando conseguia ser tantas
Guias
Tantas líricas, tantas elas, tantas lentes
Multifacetada, multiatarantada

Descobriu que só sobreviveria
Por meio da contemplação, da transcendência
Da reinvenção do cotidiano
No último dia de sua vida, ainda poetizava
Sobre a última hora de um dia qualquer.

- Michelle Saimon, No último dia
- foto: @thais.rosa.1

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Me pinto sim

Foto: Josias Assis
Um homem que só conheço de rosto
Um cara cheio de barbas e teorias me chega e diz:
"Porque você se faz tão senhora? 
Se pinte não, que você fica velha, moça."
Me pinto sim
Porque sou uma senhora dona própria 
Porque vivo a me fantasiar de mim
Por querer me assemelhar as borboletas 
Coloridas, vivas, brincantes do ar
Por ser encarnada nas metamorfoses 
E transcender a matéria corpo em que nasci
Sendo artista nele.
Me pinto sim, 
E por ser tão nova pintora
Tão
Velha-nova de alma
Provocando rugas de risos
Em eterno ensaio do que tem por dentro.
Sou pintora dos dias
Que anda sem calma versando o que vê

E porquê, não te in-te-res-sa, oxe! 
.
-Michelle Saimon, Me pinto sim.
.
📷@josiasassisfotografias

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Acontecimento


O baleiro
Prendia os cabelos da filha
Brincava com o crespo de seus fios
Como se ali estivesse o dia
De sua infância
O baleiro tão grande,
com um pedaço
Inteiro de gente
Me viu e perguntou:
“Quer comprar uma bala, menina?
Essa bala tem amor”
Comprei
Mas a bala nunca seria
Tão doce quanto aquele episódio.

Michelle Saimon, 2014

Tom de castanho azul



Girou
E se deparou com a alma
Nua, nua, nua
E depois, vestida de azul

Girou
Caindo em si,
Em cima da cama
Quase em coma
Entre os lençóis de pedras
E sol

Perdeu horas a fio
Fiando saudades
Nas palhas do coqueiral

Girou desperta
Caindo no azul infinito da baía
Onde seu corpo e olhos negros
Casavam com o mar.

Michelle Saimon, novembro de 2015

Anuviações breves


Dos tons e ventos de meu interior, eu tenho andado com saudade...
Logo mais caminho pra lá, pra fingir que fujo desse meu correr desenfreado, de tanto corre.
E é mais um corre que tenho que fazer pra ir aí. 
Acontece, que eu quero calmaria, ao mesmo tempo que me estruturo nas múltiplas funções de ser Michelles no mundo. No plural mesmo, ligada no 220w. 
Eu num tenho muito jeito não, viu? Mas é que sou poeta. Escritora das confusões das gentes, das paixões que alarmam os ouvidos da noite. Apaixonada demais pra me aquietar de todo, quando até minha quietude é agitação. Minha meditação é ser passarinho encantado e por vezes desacreditado no mundo. Mas ainda assim, encantado. Quer tocar e provar tudo. E eu faço o que? Nada.
Nado no meu próprio caos, que é um mar lindo.
Quem aguentar que venha.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Perder a viagem, ganhar o dia

Mirante de São Lázaro, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

O galo tá cantando como se anunciasse tudo que é música que eu pretendesse ouvir. Os outros sons do cotidiano se fazem presentes também. O carro do ovo anunciando seus mil ovos "graúdos e selecionados", a buzina dos carros, as conversas das pessoas. Reclamam de tudo eles.
Não é do cotidiano ouvir o galo cantando assim por aqui, ou o vento passando com tanto frescor. Cotidiana é a sequência que se repete. Já a música dos galos e os movimentos do vento, nunca são os mesmos.
É sempre susto (susto bom), quando se vem e é possível esbarrar no inesperado. Até os galos que cantavam sem que eu nunca os ouvisse, parecem ter aumentado de volume, de pose, e se fazem presentes mesmo que longe.
Seria eu então que já não mais os ouvia? A surdez com que nos põe os dias é quase infinita. Para além disso, ouço buzinas, o farfalhar dos papéis... intermináveis.
Infinitos
Insuportáveis
O infinito de dentro das minhas células grita por mais. Se agitam todas na alegria inesperada de um dia qualquer poder sentar no mirante, achar uma pena perdida na rua, sentir a brisa vindo de fora pra dentro e ouvir os galos cantarem às dez da manhã no meio de uma capital.
De onde posso ver o mar.
De onde posso me ver, espelhada nas águas ao longe. Espalhada no vento. Junto de mim.
Nas vistas da igrejinha que me inspira tantas belezas, em frente à tantas memórias. Sinto-me trocando de peles, de eus, eternamente. Espiralando-me pelo ar.

Michelle Saimon
21.06.17
Quando pensei que tinha perdido a viagem. Mas na verdade, ganhei o dia.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Dos janeiros


E de novo é janeiro. Mal posso acreditar em como é possível sobreviver a rotações assim, tão rápidas. Ilesos nem tanto, é verdade. Um tanto machucados às vezes, mas esquecemos quando a ferida dá sinais de cicatrização. Esquecemos tanta coisa. Só se sobrevive no esquecimento. Esquecer deve ser a mais saudável das tarefas.
Janeiro me espeta. Janeiro é aquele menino pirracento, que meche contigo até que se perca as estribeiras. E perco mesmo, me perco. É inquietação, é branco demais, e branco suja-se com a facilidade que não sabe de onde vem. E o branco daqui, se afeta nos mais profundos desejos de mudança. Prometo o mundo, e o mundo deve ser branco. Sujo-o. Este ano, tive o cuidado de não tentar prometer nada. Mas prometi não prometer e quebrei a corrente. E prometo várias coisas sim, porque é janeiro e já disse que janeiro me espeta.
E de novo é a mesma data tantas vezes repetida. O mesmo número, o mesmo mês. Outros anos que tem muito dos mesmos.  E hoje é o janeiro. Janeiros sempre me comovem, é transição. Parece que janeiro é mês de repensar o que anda atravessado aqui, ali, acolá. Ano novo, vida nova? Números, números...  Calendário novo, a soma de um e as exclamações. Acabou rápido, quase não acaba...

Janeiro entrou com lua, e eu, eu estava lá. Lua que talvez quisesse se esconder de seu próprio turbilhão. Quando o relógio apontou o outro dia, quando os desejos de bom ano vieram, eu estava era perdida mesmo. Perdida em tantos outros desejos, que aqui, faziam mais barulho que os fogos explodindo em cores e num rugido que sempre me incomoda o ouvido. Os desejos explodiam também. Das mais diferentes cores, era o boom. Sempre foi, manifestação inquieta e doida de querer o que não se pode, de querer o que não se tem. Faz mal passar assim? Aluada. Virada em devaneios. Tudo indica que passarei o ano em devaneios. Brindando com quem o tato alcança, e com o intangível, comigo. Sou devaneadora por decreto do universo e nada há de se fazer, por isso mesmo escrevo.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Descalços


Deu um giro até alcançar o que lhe afetava os pés descalços. Esse chão foi feito para pisar assim, sim senhor. Os chinelos não deixam sentir direito a umidade do limo. E tudo que é úmido, vive e respira coisas que a gente nem vê, sente. Chinelos só prendem os pés, e nada disso era o que queria.
Caminhar por onde as pessoas fogem era seu sustentáculo. Derrapar era até comum, desde que consiga revelar, principalmente pelo tato, o que os outros não sabiam ensinar. Até porque, estas coisas ninguém ensina. É fruto do nada, e os seus, adquiriu aos pés descalços. Sem truques ou planos.
Lambuzou-se somente dos líquidos mais pegajosos, que era o que te prendia em coragem para ver o amanhecer do dia. Para ver que da janela, as pessoas corriam com seus guarda-chuvas, estivesse chovendo ou não. Atrasadas estavam sempre, mas isto é só o relógio quem diz. A acreditar, nem seus pés que diziam tanto, lhe ensinaram. Acabou sendo só uma palavra.

Se não descabelasse tanto o dia, talvez conseguisse algo. Talvez estas linhas que prendem os destinos, não deem certo se arrumadas, viram nó ao menor vento. Decompõem-se e misturam-se a outras na menor das chuvas. Talvez por isso, as pessoas andassem tão precavidas, e cheias de sacos transbordando onde não tinha mais nem espaço para o pão, mesmo correndo tanto para ganha-lo. Transpirando tanto... E o que escorre pelos poros somos. Já dizia, que é do líquido que provém a vida. Sem querer, parte das pessoas deixa evaporar pedaços de si por aí todos os dias. Sem querer viram chuva as vezes, e se inundam de si também.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Quero, logo existo.



Escapismos não imprimem em mim nenhuma mágoa. E mais, acho essa palavra tão linda... Só quero pegar o que em mim foge. Pertenço a eras que não me pertencem, mas nisso me dou.
Faltante me faço e me refaço, transitando por uma verdade ou outra. Por tantos rios calmos. Tantos mares intranquilos. Acho até que poderia mudar o pensar e jogar em seu lugar o querer, e jogar aos quatro cantos: “Quero, logo existo”.
Quero, e quero agora. Por mais que me faltem palavras para traduzir o que é querer. E elas sempre me faltam! Procuro-as por mania, e elas escondem-se, só de pirraça, birra. Quero todo o efêmero, só porque vai se esvair logo e é difícil de capturar.
As seivas de todas as árvores. Os poléns que saem grudados nas pernas das abelhas. Escrever a carvão nas paredes. Fazer pinturas rupestres, ilustrando o quão primitivo é este querer, que me tolhe. Me acolhe. Me amarra em sua cruz. Ilustrando o quão primitiva sou em mim.
Desdigo-me e me refaço a cada vontade, a cada novo plano. Ânsias, que me roem o estômago escancarando o vazio. Essa secura na garganta que me faz desejar um afogamento por aí, só pra ver se isso para.

Mas nunca para, não quero que pare. E não querer já é vontade. Quero, logo existo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Busca


Nos abraços do mundo é que reencontrava seus instintos cobertos das mais densas seivas, nos esconderijos sem nome. Agora o vento sopra diferente e as correntes já não fazem tanto barulho, meu amor. Elas quebraram enquanto corria em busca de maçãs maduras. Eu as achei.
Em dias assim, sempre se corre em busca das maçãs, dos eus, dos outros, de nós. E quando a Terra vai se bronzeando ao sol, eu quero apenas a expectativa de empreender todos os meus dentes à procura da essência líquida da fruta, da vida. De fazer barulho enquanto meus dentes descobrem as profundezas que depois irão escorrer pela boca. Sentir descer pela língua as sensações que crio enquanto ando desconstruindo algumas espécies de fantasmas que falam línguas estranhas, mas que as vezes eu compreendo bem.

Se estes vultos saíssem de minha mente, ah! Mas eles são eu, e eu sou eles. E nós provamos das mesmas maçãs, mordidas com a fome de quem come a maçã proibida do Éden. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Do que não sei nomear



Parece que tudo que importa, vêm na forma deste crepúsculo que me atinge certeiro. E vem  como uma flecha. Nestas ocasiões, algo aqui se manifesta na mente e penso o quanto sou nada perto de certas coisas. Mas o quanto sou tudo também. Formada da mesma energia da qual saiu isso. Sou parte disso tudo, e isso me conforta e ilumina da maneira mais linda que possa haver.
E o que vem junto com isso, é o sentimento de algo bom se instalando.  Enquanto o alaranjado vai enegrecendo... Mas o que é algo bom? Esta solidão é. Me permite contemplar certas coisas que adentram minha alma. Esta que de tão povoada das coisas, às vezes precisa de um canto de silêncio, um quê de calma. Um pôr do sol também. Dessas coisas que se põem na gente quando escurece. Nestes pensamentos todos que compõem a noite.
Por um instante parece que tudo aqui se aquieta. A mansidão aparece e me sinto um passarinho de asas quebradas vez ou outra. E sou. Sou por ser do mundo. E é nestas horas que o universo me toma nas mãos e me embala. Como se fossemos o mesmo. Mas quando dou por isso é que sou.
Isso me remete ao real. Na psicanálise, o real é explicado pelo que é tão intangível a nós que não é sabido explicar, que escapa do simbólico, o que não é possível descrever com palavras. Isso é da ordem do real, por mais que me esforce, algo me escapa, as palavras se esvaem. Por mais que o que eu sinta tente transbordar por estas linhas. O que não se explica, sente. Ou transforma em arte. E toda arte não seria senão formas diversificadas de se fazer poesia?


segunda-feira, 19 de maio de 2014

Bagagem




Deixa de devanear asneiras, menina! O dia já desponta cheio de si por aí, espalhando raios sem chuva e que não fazem barulho. Raios que queimam nossa cabeça quando a gente anda sonhando por aí. Quando a gente dança por aí, salta e caminha em direção aos montes de coisas feitas de areia nas quais a gente se lambuza com alegria de infância.
Quando for partir, não se esqueça de levar dentro do vestido um corpo moço cheio de ilusões tardias, daquelas que fazem algo saltar mais do que devia dentro do peito. Daquelas que fazem suar as mãos, e que faça o corpo todo se inundar das cachoeiras de certos atos. Nesse calor que desce, escorrendo pelas nuvens com sua luz líquida amarela.

Deixe de escutar quem te diz para parar de devanear, menina! Quando a gente se permite o mundo é lindo. É quando se vê pessoas rindo sozinhas no meio da rua, vai e se ri também imaginando as lembranças ou invenções boas que andam de mãos dadas com as pessoas. É perceber que riso nunca é loucura, e se for, é um remédio lindo.