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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Hábitos

Foto: Adriano Pansera



Inventar-se-ia em seus desencantos. Brincaria com os que estavam presos em cantos, tiraria as bordas daqueles encantos esquecidos na memória, mofando com a espera infantil que tem os desesperados, ao sentirem na pele uns segundos passando a vez para outros. Tempo ficando para trás, o que até que não poderia ser tão mal assim.
Sentiu várias vezes que o que lhe devorava a carne com certo poder de posse, tal como águias famintas, eram os hábitos. Enquanto que novo era o medo de sentir. Assim achava às vezes, por mais que o novo fosse tão velho que suas barbas brancas quase varriam o chão. Mas deixa essa sujeira, deixa esses rastros. Deixa tudo aí que a vida vem em furacão e leva.
Havia o medo, mas havia o conhecimento de que havia algo que pudesse acender o espírito sem que desse totalmente por si. Sem precisar roubar as luzes dos postes daquela cidade suja e barulhenta. Queria a luz dos acasos, a luz de chuva com sol. Aquela chuva que pode vir mansa ou arrebatadora, ou pode só pingar. Provocando inundação, ou por maldade sair e alimentar a secura. Às vezes nem um, nem outro. Sabe-se que pode ser nada, ou que arrebente logo o mundo com seu tudo!

Por vezes, acusava dar um passo em falso. Mas até esse hábito cansava de tal modo, que era um esquecer-se de si, jogar-se numa cama de pregos só para sentir que existe enquanto ser que respira. Só para não esquecer que pode por vezes sangrar. Ia então, caminhando pelo asfalto numa corrida sem pressa. Como se pudesse assim asfaltar sua solidão terrena, que é tão de todo mundo! Mas poucas vezes uma pega na outra e se abraçam totalmente, na tentativa de preencher o perigo às vezes nocivo do toque. Nos afastamos com algo que aprendemos para escondermos nós dos outros, um olá.