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quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Me pinto sim

Foto: Josias Assis
Um homem que só conheço de rosto
Um cara cheio de barbas e teorias me chega e diz:
"Porque você se faz tão senhora? 
Se pinte não, que você fica velha, moça."
Me pinto sim
Porque sou uma senhora dona própria 
Porque vivo a me fantasiar de mim
Por querer me assemelhar as borboletas 
Coloridas, vivas, brincantes do ar
Por ser encarnada nas metamorfoses 
E transcender a matéria corpo em que nasci
Sendo artista nele.
Me pinto sim, 
E por ser tão nova pintora
Tão
Velha-nova de alma
Provocando rugas de risos
Em eterno ensaio do que tem por dentro.
Sou pintora dos dias
Que anda sem calma versando o que vê

E porquê, não te in-te-res-sa, oxe! 
.
-Michelle Saimon, Me pinto sim.
.
📷@josiasassisfotografias

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Acontecimento


O baleiro
Prendia os cabelos da filha
Brincava com o crespo de seus fios
Como se ali estivesse o dia
De sua infância
O baleiro tão grande,
com um pedaço
Inteiro de gente
Me viu e perguntou:
“Quer comprar uma bala, menina?
Essa bala tem amor”
Comprei
Mas a bala nunca seria
Tão doce quanto aquele episódio.

Michelle Saimon, 2014

Tom de castanho azul



Girou
E se deparou com a alma
Nua, nua, nua
E depois, vestida de azul

Girou
Caindo em si,
Em cima da cama
Quase em coma
Entre os lençóis de pedras
E sol

Perdeu horas a fio
Fiando saudades
Nas palhas do coqueiral

Girou desperta
Caindo no azul infinito da baía
Onde seu corpo e olhos negros
Casavam com o mar.

Michelle Saimon, novembro de 2015

Anuviações breves


Dos tons e ventos de meu interior, eu tenho andado com saudade...
Logo mais caminho pra lá, pra fingir que fujo desse meu correr desenfreado, de tanto corre.
E é mais um corre que tenho que fazer pra ir aí. 
Acontece, que eu quero calmaria, ao mesmo tempo que me estruturo nas múltiplas funções de ser Michelles no mundo. No plural mesmo, ligada no 220w. 
Eu num tenho muito jeito não, viu? Mas é que sou poeta. Escritora das confusões das gentes, das paixões que alarmam os ouvidos da noite. Apaixonada demais pra me aquietar de todo, quando até minha quietude é agitação. Minha meditação é ser passarinho encantado e por vezes desacreditado no mundo. Mas ainda assim, encantado. Quer tocar e provar tudo. E eu faço o que? Nada.
Nado no meu próprio caos, que é um mar lindo.
Quem aguentar que venha.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Perder a viagem, ganhar o dia

Mirante de São Lázaro, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

O galo tá cantando como se anunciasse tudo que é música que eu pretendesse ouvir. Os outros sons do cotidiano se fazem presentes também. O carro do ovo anunciando seus mil ovos "graúdos e selecionados", a buzina dos carros, as conversas das pessoas. Reclamam de tudo eles.
Não é do cotidiano ouvir o galo cantando assim por aqui, ou o vento passando com tanto frescor. Cotidiana é a sequência que se repete. Já a música dos galos e os movimentos do vento, nunca são os mesmos.
É sempre susto (susto bom), quando se vem e é possível esbarrar no inesperado. Até os galos que cantavam sem que eu nunca os ouvisse, parecem ter aumentado de volume, de pose, e se fazem presentes mesmo que longe.
Seria eu então que já não mais os ouvia? A surdez com que nos põe os dias é quase infinita. Para além disso, ouço buzinas, o farfalhar dos papéis... intermináveis.
Infinitos
Insuportáveis
O infinito de dentro das minhas células grita por mais. Se agitam todas na alegria inesperada de um dia qualquer poder sentar no mirante, achar uma pena perdida na rua, sentir a brisa vindo de fora pra dentro e ouvir os galos cantarem às dez da manhã no meio de uma capital.
De onde posso ver o mar.
De onde posso me ver, espelhada nas águas ao longe. Espalhada no vento. Junto de mim.
Nas vistas da igrejinha que me inspira tantas belezas, em frente à tantas memórias. Sinto-me trocando de peles, de eus, eternamente. Espiralando-me pelo ar.

Michelle Saimon
21.06.17
Quando pensei que tinha perdido a viagem. Mas na verdade, ganhei o dia.